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Sobre Nós- Duda Reineck


Banner para lustra o conto; Mostra uma pena preta de escrita abrindo uma foto repleta de mulheres diferentes. O título está em vermelho ao lado da foto em cima de um fundo branco com símbolos do feminino.

Eu não estava prestando atenção na aula naquele dia, meus pensamentos estavam distraídos demais com uma folha que caíra no parapeito da janela no lado de fora. Não era mais verde, e sim marrom com a chegada no outono. Algo suficientemente interessante para me permitir ouvir apenas parcialmente as explicações da professora, sem sequer lembrar qual matéria estávamos tendo naquele momento.

— Certo, turma. Mas vocês sabem a importância do dia de hoje? Oito de Março? — É um símbolo da nossa batalha, não é? Tipo, a luta que as mulheres tiveram para alcançar direitos à votos, etc… — Etecetara…. Sim, não está errado. Mas alguém quer acrescentar algo a resposta da nossa colega? O silêncio se tornou ensurdecedor. O suficiente para minha atenção ser desviada novamente, olhando de rabo de olho para a cena. — Ninguém, pessoal? Instantaneamente eu me senti observada, pressionada como se estivessem apenas esperando a minha resposta. Não exatamente os estudantes, mas o universo em si.. Esperei que alguém erguesse a mão e respondesse a pergunta, mas nenhum dos quarenta estudantes fizeram isso. Então suspirei, amaldiçoando a mim mesma por ter deixado de observar a folha outonal. — Não é só sobre o que tivemos que alcançar, mas sim tudo que fazemos até hoje. Todas as coisas que continuamos a enfrentar, nossas lutas diárias. — Meus lábios se franziram ao perceber que todos voltavam sua atenção para mim, a professora fez um sinal com a mão para que eu continuasse. — A mulher que luta por um espaço em uma profissão tomada pelos homens, desejando um salário igual e ser reconhecida da mesma forma; a mulher que enfrenta cada dia um perigo diferente, uma ofensa pela roupa que usa, por onde anda, por não ser boa o suficiente. Precisa ser uma boa menina, uma boa filha, uma boa irmã, uma boa mãe e uma boa mulher. Precisamos ser boas em tudo, e normalmente somos, mas não podemos ser boas em tudo porque se não estamos querendo aparecer. “Precisamos ser uma ótima esposa, mas também não podemos perdoar erros no casamento, se não seremos a burra que gosta de apanhar. Precisamos ser uma ótima mãe, e é claro, ter filhos. E se não quiser casar, será julgada por ser menos mulher, mesmo que mulher não seja uma caixa fechada dos estereótipos que ainda persistem na nossa sociedade. Mulher não precisa ser esposa ou mãe para ser mulher. A mulher não precisa se vestir de um determinado jeito, seguir uma profissão ou qualquer coisa que a sociedade impõe. Antes de qualquer coisa, nós somos mulheres. Desde quando nascemos o mundo sabe, e recai sobre nós instantaneamente. O dia da mulher, o nosso dia, representa tudo isso. É um dia de comemoração, mas também de luta. Um momento de lembrar da nossa força e de tudo que conquistamos até agora, mas também de que a luta não acabou e não acabará tão cedo. Ainda precisamos e precisaremos continuar a desafiar os padrões que nos foram impostos. Teremos que aguentar piadinhas de homens, assédios, sendo sempre descredibilizadas por sermos consideradas o sexo frágil. Ainda seremos cobradas dia após dia por todas as coisas existentes, meninas nascerão e caberá a nós continuar a mudar pouco a pouco esse sistema que nos impõe tanta coisa. As coisas mudaram, mas ainda precisam mudar.” As palavras se perderam em meus lábios, sentia minha boca seca depois de tanto falar e estranhamente constrangida. Era para ser uma resposta simples, mas como poderia ser simples? Não era. Senti-me mais uma vez observada por todos, não apenas pelo universo. Era como se estivessem lendo as minhas palavras ao invés de terem ouvido, soletrando cada letra de cada frase, chegando à suas próprias conclusões sobre o que foi dito por mim. O silêncio dizia muito mais do que qualquer coisa, perdurando-se por alguns minutos em que todos absorveram minhas palavras até que a professora voltou a quebrar o gelo.

— Algo mais a dizer? — perguntou para mim.

Um suspiro saiu por meus lábios. Eu tinha algo a mais para dizer?

Céus… sim, eu tinha.

Pensei em todas as mulheres da minha vida. Minha mãe, amigas, professoras, conhecidas, irmãs… até em quem eu não conhecia. Mulheres que lutavam diariamente, trabalhavam pois agora podiam, estudavam pois conquistaram esse direito tão básico, votavam por um país melhor, e corriam atrás de seus sonhos. Seja ele qual fosse; alcançar um cargo em uma empresa, viajar, terminar a faculdade, casar ou ter filhos.

Meus pensamentos acabaram fluindo para aquelas que ainda não tinham esse direito, ou que foram mais uma vez retirados de si. Elas tinham um caminho ainda maior para percorrer.

— Nós podemos alcançar tudo que desejarmos. Tudo.

Aquela sensação ainda prevalecia em mim. A sensação de estar sendo observada de alguma forma. Enquanto a professora agradecia e voltava a dar sua aula, eu novamente me perdia em pensamentos. Não acreditava em sobrenatural, nem nada do gênero, mas se de fato existisse algo que estivesse me guardando naquele momento, apenas ouvindo minhas palavras, deixei que minha mente fluísse para algo mais que não queria dizer em voz alta. Talvez porque estivesse dizendo para mim mesma também.

“Você é incrível. Não importa onde esteja, não importa o que faça, só por respirar nesse mundo tão cruel para as mulheres você é incrível. Sua vida é importante, você é importante. Você é linda exatamente da forma que é agora. Seja o corpo que tiver, o cabelo, olhos, altura… é linda, e não dê ouvidos a ninguém que queira te dizer o contrário. Você não precisa seguir os padrões impostos pela sociedade, e se quiser, tudo bem. Mas faça por você e mais ninguém.

Você pode alcançar o que mais desejar. Deseja ter sucesso em sua carreira? Viajar para Londres? Encontrar o amor da sua vida? Ter um cachorro? Lançar um livro? Você é capaz. Todos somos capazes.

Acredite nisso.

Eu acredito.


Você acredita?


Sobre a autora:

Foto da escritora Duda Reineck. Mostra uma mulher negra de cabelos encaracolados, sentada, usando um vestido laranja, com um fundo de plantas acizentadas.

Nascida na cidadezinha de Indaial, Santa Catarina, Duda sempre almejou conhecer o restante do mundo. Iniciou essa jornada em 2014, quando descobriu sua paixão pela escrita e passou a criar histórias que alavancariam sua habilidade narrativa e seu prazer pela literatura. Agora está cursando Publicidade para ajudar a alavancar suas vendas.



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