Texto por: Gabriel A. Caetano, autor de Os Indomáveis
Deus Ex-machina é um termo que vem do grego "deus surgido da máquina", onde nos teatros gregos o ator que representava um deus surgia pendurado em cabos, para resolver o problema do protagonista. Hoje, o termo é utilizado para representar uma solução surgida do nada para resolver um problema na trama.
Figura 1 – Representação do Deus Ex-Machina. Fonte: Nintendo Blast.
O problema é que a gente tende a achar que um Deus Ex-machina é necessariamente sinônimo de um roteiro mal feito ou preguiçoso, quando na verdade é simplesmente um recurso narrativo. O que torna um Deus Ex bom ou ruim, pra mim, é a justificativa da sua necessidade. Se o Deus Ex é citado anteriormente na narrativa de forma a validá-lo, tudo bem. O problema é quando a coisa REALMENTE acontece do nada mesmo.
Muitos filmes e livros que usam desse artifício, utilizam juntamente um outro artifício chamado de “Arma de Chekhov”. A “arma” justificaria nesse caso o Deus Ex. Então vem comigo que vou te mostrar alguns exemplos bons e ruins a seguir:
Indiana Jones e os Caçadores da Arca Perdida:
No último ato do filme, Jones e Marion Ravenwood são mantidos reféns dos nazistas enquanto o antagonista abre a arca. Quando isso acontece, os espíritos presos dentro da caixa matam todos os nazi, menos os mocinhos. Deus Ex? Sim. Ruim? Nem um pouco: no começo do filme, quando Jones é procurado para encontrar a arca, existe um longo diálogo de vários minutos do protagonista explicando as propriedades da arca e seus perigos, ou seja, no final, ele tinha propriedade sobre o assunto e na hora do aperto sabia que fechando os olhos sobreviveria.
Figura 2 – Arca da aliança. Fonte: Velha Onda
Capitã Marvel em Ultimato:
Essa aqui, na verdade é uma questão bem simples, mas vamos entender a situação. Quando os portais se abrem e a porradaria come solta na batalha final de Ultimato, Thanos toma um pau violento da Feiticeira Escarlate e ordena que a nave dispare contra a superfície. É uma situação onde todo mundo começa a ser massacrado, até que do nada a nave para de disparar, sendo destruída pela Capitã, que finalmente deu as caras. Quem problematiza esse Deus Ex geralmente é hater da personagem, porque o D.E.M aqui tem duas justificativas para que a personagem só apareça nos últimos quinze minutos: Primeiro, ela é a protetora do universo, não trabalha exclusivamente na Terra e, como ela mesma diz no início do filme, o estalar de dedos do Thanos não afetou somente os terráqueos. O segundo motivo é: a Capitã é muito APELONA! Se ela tivesse ali o tempo todo, quando os portais abrissem, a festa teria acabado muito tempo antes.
Figura 3 – Capitã Marvel em Ultimato. Fonte: Pinterest.
A caldeira de O iluminado:
Pra não dizer que eu só sei falar de super-heróis (gente desculpa eu escrevi um livro sobre), vamos citar a caldeira do livro O Iluminado, de Stephen King. Quando Jack e sua família chegam no hotel, entre todas as observações que o gerente faz ao novo caseiro, é ficar sempre de olho na caldeira, pois ela desregula facilmente e precisa sempre que alguém fique de olho em sua pressão. No final, a mesma caldeira é a justificativa do antagonista desistir de perseguir Wendy e Danny para salvar o hotel. Outro D.E.M. bem utilizado.
Figura 4 – Jack Torrance. Fonte: Observatório do Cinema.
Agora vamos de exemplos de Deus Ex-machina que considero ruim:
O Garra em Toy Story 3:
Olha, eu sei que Toy Story é um filme infantil. Criança realmente não presta atenção nos detalhes técnicos da coisa. Mas o ponto é que o filme não foi escrito por uma criança e nesse caso não dá pra perdoar. Bom, lembra daquela cena do incinerador, onde a gente achou que todo mundo ia morrer, já que os brinquedos caíram num beco sem saída? Então, eu acho que os roteiristas, quando escreveram essa cena, esqueceram que os brinquedos tinham que sair VIVOS de lá. O que fizeram pra remendar esse problema? Os três etzinhos que no nada catam a garra gigante e salvam geral. E tudo bem, eu sei que os ets estavam em algum lugar do lixão, mas é muita coincidência eles chegarem naquele lugar tão fácil e tão rápido.
Figura 5 – Cena Toy Story 3. Fonte: ValUE.
O corredor de guindastes em O Espetacular Homem-Aranha:
Esse aqui dói com força, mas eu vou por pra não parecer que só sei falar bem de super-herói. No final do filme, depois de tomar um tiro na perna, o miranha precisa ir até a Oscorp para impedir o Lagarto de executar seu plano. Acontece que por algum motivo específico, o roteiro decidiu que não haviam prédios o suficiente para o teioso se balançar e decidiu colocar uma quantidade ABSURDA de guindastes que estavam coincidentemente próximos e em linha reta. Eu nunca fui pra Nova Iorque, mas tenho certeza que você não acha seis guindastes seguidos em uma linha reta. É o tipo de cena que você fala “ahhh tááá!!”. Sem contar que a comunicação dos caras da obra são boas pra caramba pra alinhar todos os guindastes em questão de segundos.
Posso ser sincero? Pra mim, essa cena não é um D.E.M., porque essa cena não precisava existir. Se tirasse essa cena do corte original e simplesmente mostrasse o aranha chegando na Oscorp meio capengando por conta do tiro, ficaria bem melhor. MAS, como a cena existe e nela o herói não consegue mais avançar sem a ajuda dos guindastes, acaba sendo um Deus Ex.
Figura 6 – Cena de Amazing Spiderman. Fonte: What Culture.
O final da segunda temporada de Dark:
Cara, olha... Minha experiência com Dark é meio frustrante. Achei que a qualidade da série foi caindo conforme as temporadas avançaram. No final da segunda em específico, o Deus Ex que o roteiro coloca é tão jogado que me deixou muito irritado quando acabou. Sério que você decide me contar que existe outro universo no último minuto do episódio final? Eu sei que Dark trabalha bem o contexto do Cliffhanger, mas sem dar uma mínima pista da existência do outro universo é complicado. Sim, eu sei que Dark trabalha com a simbologia do número três, mas isso é tão implícito que só da pra perceber reassistindo a série com muita calma. Não tem como cara, deixa eu resumir pra você o final dessa temporada: “Oi, beleza, Jonas? O mundo tá acabando, mas eu sou de outro universo e vim te salvar. Segura aqui e vambora!”. Na terceira temporada eles fazem a mesma coisa com o terceiro universo que é o verdadeiro, mas nesse ponto eu já não duvidava de mais nada. Além disso, eles não mandam um terceiro universo no último minuto da série.
Figura 7 – Cena do seriado Dark. Fonte: Youtube.
Eu amei esse texto!! *-*
Não sabia. Obrigado!